De Cuba Chega Uma Peça A Nova York: 10 Milhões

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Vídeo: De Cuba Chega Uma Peça A Nova York: 10 Milhões

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Anonim

Entrei na pequena sala Black Box do Miami Dade Auditorium, em Miami, sem saber exatamente o que iria enfrentar. Ele sabia que 10 milhões, o filme de estréia de Carlos Celdrán, um diretor reconhecido com o Prêmio Nacional de Teatro em Cuba, era um tipo de fenômeno social na ilha de Raúl Castro. Ele sabia que o público de Havana havia preenchido a sala do grupo Argos, e que muitos estavam saindo chorando, e que a censura em Cuba não sabia como responder ao texto de Celdrán, ao seu discurso político.

Mas 10 milhões não são apenas mais uma encenação que vem de uma ilha localizada no meio do tempo: 10 milhões são uma catarse de um grupo de teatro, o Argos, no palco, e um diretor que se tornou autor, Carlos Celdrán. 10 milhões é o discurso de uma geração perdida. 10 milhões é, acima de tudo, uma obra-prima.

Em Havana, eu também corria o risco de assistir a outro fenômeno teatral, Harry Potter, a mágica acabou, dirigida por Carlos Díaz, com seu popular Teatro El Público. Discursos estridentes, grandiosos, exuberantes e de cores vivas, com as drag queens habituais, onde as críticas sociais e políticas se limitam ao dia-a-dia, às deficiências, à falta de liberdade, ao hábito de serem observadas e questionado, onde são criticadas as sentenças de um poder estagnado e cada vez mais vulnerável. A censura, com relutância, deixou passar novamente. Lá, o espectador também chora, mas seu choro ainda é local.

Ao contrário de Harry Potter, com 10 milhões de choro é universal.

A história é simples: um jovem que cresceu entre pais divorciados. O divórcio, neste caso, também é um divórcio ideológico em que a criança-adolescente-adulto carece de opções. A mãe é o poder, o pai é a escória, o verme que desaparece. O filho, que na verdade é o autor, a massa e o povo, infelizmente acaba do lado do poder.

10 milhões são um jornal. O diário do autor. Celdrán reconstrói uma Cuba revolucionária em preto e branco, sem estridentes ou slogans. Move-se entre 1960 e 2012 como se o tempo não tivesse passado. Ontem e hoje estão borrados.

Estamos diante de uma encenação minimalista, onde os personagens se movem diante de uma lousa cinza, na qual estão escritas as chaves do texto: "Sonho", "10 milhões", "O último verão", "Massa e poder". Se um título alternativo definisse esse trabalho, seria o último. Uma apropriação inteligente e orgânica do livro de Elias Canetti, um autor nascido na Alemanha nascido na Bulgária e um cidadão britânico que marcou a literatura da década de 1960: Masse und Macht, Multidões e Poder, Massa e Poder. Para Canetti, como para Celdrán, "a massa destrói casas e coisas". Os limites são perdidos e "portas e janelas quebradas, a casa perde sua individualidade".

Com 10 milhões, Celdrán rejeita a multidão e transforma o espectador em um indivíduo. Cada um de nós, sentados nas lunetas, sente que os personagens nos falam como se fizéssemos parte de uma história que havíamos esquecido ou que nos esquecemos. Chega um momento, depois do "último verão", quando o filho visita o pai e o mundo se desfaz em torno dele. É hora de escolher, dar meia-volta, não querer ver o que acontece com o outro. É o momento em que você se torna, sem perceber, um cúmplice do crime.

Quando o crime é cometido, Celdrán ilumina a platéia e, nesse momento, o espectador deixa de ser um indivíduo e se torna uma massa, mais um. Se houvesse um título universal que identificasse 10 milhões, além de Mass and Power, seria The Last Summer. É o momento em que tudo muda e nada volta a ser como antes, onde não há mais um depois.

O pai, o homem que a mãe rejeitou como pequeno-burguês, por não ingressar no processo de mudança, por não ser revolucionário, refugia-se em uma embaixada, tomada por assalto junto com dezenas de milhares de outras pessoas que fogem do país. Pela obra e graça da dinâmica da massa e do poder, o pai deixa de ser um homem fraco e honesto, passando a ser uma escória, um lumpen, um verme. Este homem, com quem o filho se identifica e no qual se refugia todo verão, é cercado na casa de parentes, privado de luz, água e comida. Então ele é expulso, humilhado, espancado, cuspido, pela massa e pelo poder, que se gabam do ato de repúdio aos fracos, aos que partem, aos que não crêem, aos outros.

E o que o filho faz? Como a mãe, ele agora é mais um envolvido no jogo, outro que ouve o que quer ouvir, outro que olha para o outro lado. Outro que, como nós, se torna cúmplice. E aqui reside a universalidade da proposta de Celdrán. Seu sucesso consiste em nos fazer sentir culpados: ele sozinho não vai carregar o fardo do crime. É impossível. O peso vai além de sua geração. Carlos nos questiona como indivíduos e como nação.

A preparação de 10 milhões é com o único objetivo de exibir o texto. Ao contrário do teatro em que o diretor interpreta a criação do autor e recria os diálogos em imagens e ações em soluções dramatúrgicas complexas, Celdrán, em sua estréia como escritor, usa provocação. Isso provoca cada espectador a criar sua própria montagem. A mise-en-scène é o texto e vice-versa. É Pirandello até o enésimo grau. É Brecht sem máscara. É voltar ao teatro grego como tribuna. Os espectadores são o coro.

Para mim, 10 milhões é a peça cubana mais importante, depois de La noche de los asesinos (1965), de José Triana. A peça começou sua jornada americana, com legendas em inglês naquela outra Cuba que é Miami, onde vivem hoje os pais de Carlos Celdrán, aqueles que antes eram inimigos ideológicos. A leitura, de Miami, era, então, completamente diferente. Os espectadores fizeram parte do discurso dramático.

Saí do teatro envergonhado como ser humano, como indivíduo. Celdrán me fez uma vítima. Isso me fez chorar com o pai, com o autor, com a mãe e o filho. E Celdrán subiu ao palco para receber aplausos do público, como espectador. Então éramos todos atores.

Eu fui dormir pensando em 10 milhões. Pensando nos pais de Celdrán, a quem o próprio diretor não permitiu ir ver a peça. Eu não poderia tê-los mascarado como espectadores. Levei meu avião de volta à minha realidade, à minha bolha, com uma idéia persistente: a história se repete nas infinitas variações de massa e poder, sejam elas populismo, nacionalismo, comunismo ou fascismo.

10 milhões, dirigido e escrito por Carlos Celdrán, estrelado por Caleb Casas, Daniel Romero, Maridelmis Marín e Waldo Franco, serão apresentados nos dias 29 e 30 de março no Repertorio Español, 138 E 27th Street, Nova York, NY. Em outubro, o trabalho chegará em Chicago e em novembro em Los Angeles.

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